Um Natal em que o presenteado é quem presenteia

IMG_1399Que tal ao invés de receber um objeto de Natal, o seu presente for… dar um presente? No caso, uma doação em seu nome para uma causa que tem a ver com temas com que voce se identifica? As pesquisas mostram que quando já temos coisas suficientes, dar presentes traz muito mais felicidade do que recebê-los.

Pensando nisso, no Natal passado resolvi fugir um pouco do “furor consumista” e aproveitar para transformar em experimento esse momento em que lembramos das pessoas que gostamos e fazem parte da nossa vida. Decidi dar de presente doações, para que meus amigos e familiares experimentassem a felicidade de receber e de presentear ao mesmo tempo. Para isso escolhi causas, projetos e instituições de caridade que achei que eles  gostariam de conhecer e que tinham a ver com eles, e para cada uma doei uma pequena quantia em nome da pessoa presenteada.

donation_logosUm primeiro resultado gratificante é que quando se doa para um projeto desses, eles costumam mandar um agradecimento, que vai desde um email bem simples de texto (como no caso da Wikipédia, presente/doação para o meu pai) até vários emails mais elaborados com novidades sobre a causa (como no caso do “História das Coisas”, presente/doação para meu irmão e cunhada). Alguns também enviam recompensas físicas, como livros de desenhos e histórias, que foi o caso de projetos de financiamento coletivo (crowdfunding) que enviei pra alguns amigos. Outros ainda, proporcionam recompensas mais criativas, como uma árvore plantada em uma comunidade indígena na Colômbia com uma pequena etiqueta de madeira com o nome do colaborador (esse foi para minha presenteada mais jovem).

O envio de emails e recompensas de agradecimento requer já um certo esforço de coordenação quando a pessoa está doando em seu próprio nome, mas se torna um pouco mais complicado no caso de alguém como eu, que resolve fazer a doação como presente, em nome de outra pessoa.

Por essas e outras ficou claro pra mim que essa prática é algo novo, e os sites de doações e financiamento coletivo ainda não têm opções fáceis pra se contribuir sem que seja no próprio nome. Minhas experiências foram bem variadas, e descrevo elas aqui esperando que quem sabe no futuro os sites comecem a oferecer essa possibilidade e mais pessoas se inspirem com a idéia de dar presentes doações.

Através do Catarse.me eu dei dois presentes cuja recompensa eram livros a ser enviados pelo correio. Tentei preencher no formulário o nome e endereço das pessoas pra quem estava dando o presente, mas não funcionou muito bem. A solução foi trocar muitos emails com os organizadores dos projetos, que foram aliás extremamente simpáticos. Mas não consegui que os emails automáticos com novidades sobre o projeto do livro de desenhos de cachorros resgatados fossem enviados diretamente para minha amiga, por exemplo. Sei que ela adoraria recebê-los, então acabei reencaminhando todos manualmente. Reencaminhei também emails de outros projetos que até mencionavam o nome correto do recipiente do presente, porém chegavam no meu endereço de email. Claro que quando um dia existir essa opção dos emails irem pra o presenteado, nesses casos seria importante a pessoa confirmar que quer receber também os emails, senão o presente pode acabar virando uma inundação indesejada da caixa postal alheia.

No site de financiamento coletivo Goteo.org, o projeto que apoiei mencionava na descrição que se podia doar no seu nome ou no de um amigo, então achei que iria funcionar bem. O projeto foi bem-sucedido, o encontro de comunidades indígenas na Colômbia foi muito legal, recebi várias fotos, mas vieram para o meu email, e a etiqueta na árvore acabou saindo com o meu nome, e não o da filha dos meus amigos pra quem dei o presente.

Outra coisa que me deixou um pouco ansiosa, mas isso não tem como resolver, foi ficar sem ter certeza se os projetos que escolhi como presentes iriam ter sucesso no financiamento coletivo, e se os recipientes dos meus presentes iriam ficar desapontados caso isso não acontecesse. Mas acho que essa emoção faz parte da experiência. No final todos os projetos foram bem sucedidos e até ultrapassaram os objetivos.

Aconteceu também do presente escolhido exigir um acompanhamento maior que se tornou difícil comigo morando na Alemanha e os presentados no Brasil. Foi o caso com as minhas sobrinhas, pra quem dei um vale-presente do site de microfinanciamento Kiva.org. O site oferece a opção de criar um cartão personalizado pra imprimir ou enviar por email, mas quem recebe tem daí que ir até o site e escolher uma pessoa específica pra fazer o empréstimo. Minhas sobrinhas têm 5 e 7 anos e não falam inglês, então precisam de alguém pra ajudar a explicar e escolher os detalhes do presente, que ainda não foi utilizado. Claro que se eu tivesse dado esse presente pra amigos adultos e que falam inglês não teria tido esse problema. Gostei muito da iniciativa do Kiva de disponibilizar a opção de vale-presente, e quem sabe no futuro eles não traduzem o site pra português e outras línguas?

No geral, todos os amigos gostaram de seus presentes não-convencionais, que resultaram até em várias surpresas positivas. Uma amiga decidiu usar a instituição que escolhi pra ela como objeto do seu projeto de pesquisa de mestrado. O apoio ao projeto de cidades colaborativas acabou se tornando mais relevante quando a cidade onde meu presenteado mora foi escolhida como uma das cidades-piloto da iniciativa. Já a amiga pra quem dei uma assinatura do site de fotos eróticas ecológicas, até onde sei não se entusiasmou a ponto de participar do site como modelo, mas ficou feliz em apoiar a preservação das florestas e com o inusitado do presente que recebeu.

Abaixo a lista com as instituições que escolhi como presentes de Natal:

  • Wikipedia.org – enciclopédia livre
  • Kiva.org – microempréstimos para empreendedores de vários países
  • Catarse.me – financiamento coletivo de projetos de arte e outros temas
  • StoryofStuff.org – animações mostrando a história por trás dos produtos que consumimos
  • Goteo.org – financiamento coletivo de projetos ecológicos e sociais
  • WikiHouse.org – modelos em código livre para “imprimir” e montar sua própria casa
  • Shareable.net –  artigos e iniciativas sobre economia colaborativa
  • YesMagazine.org – revista sobre sustentabilidade e transformações sociais
  • FuckForForest.com – ecologia e preservação de florestas

Declaração de amor aos livros

Lendo na margem do rio Meno

Lendo na margem do rio Meno

Eu sempre gostei de livros, desde que aprendia a ler (ao que consta quando era pequena enchi muito o saco da minha vó pra ela me ensinar). Lembro de quando entrei numa escola nova e me senti intimidada pelo imenso pátio do recreio cheio de crianças mais velhas, e que preferia ir pra biblioteca da escola ler (sim, eu sei, mega nerd! :) Aquilo era pra mim um local mágico cheio de histórias incríveis esperando pra serem folheadas e devoradas.

Acumulei vários livros comprados ao longo da vida e com o passar do tempo percebi com pesar que depois de alguns anos as folhas ficam amarelas, a cola da lombada esfarela, e um leve bolor (sou super alérgica a pó e mofo) tende a se instalar neles… Ao invés de me entristecer, decidi agradecer os momentos bons que os livros me proporcionaram, e abraçar a sua efemeridade. Enquanto espero que as folhas feitas de árvores picadas e banhadas em ácido sejam substituídas por alguma coisa melhor, desenvolvi uma postura diferente em relação aos meus livros, encerrei a fase de simplesmente comprá-los e armazená-los na minha estante.

De acordo com minha nova idéia, comecei a enquadrá-los em duas categorias básicas: os que penso em reler algum dia (calculem rapidinho, quantos dos seus livros vocês já releram?) e os que cumprem seu papel depois de uma leitura. Esses eu me dedico a passar adiante pra que possam ser lidos por outras pessoas. Encaro um pouco como salvá-los do destino de amarelar e esfarelar sem uso em alguma estante da minha casa. Dou esses livros para amigos, deixo em albergues/hotéis ou locais com bibliotecas públicas informais, ou mesmo em um banco de praça com um bilhete.

Costumo comprar sempre livros em aeroportos e estações de trem, pra ler durante a viagem. Quando passo por algum desses locais de “troca” informal de livros, aproveito pra pegar alguns que nao li ainda e assim os livros vão viajando comigo pra um novo lugar, encontrar um novo leitor.

Infelizmente livros são ainda muito pesados e tanto as empresas aéreas como minhas costas não gostam de muito peso na mala. Então também compro online e mando entregar no local pra onde vou. Às vezes mando pela mala de amigos os que decidi guardar na minha biblioteca. Tento mantê-los em movimento.

Espero no futuro ter um leitor digital com ótima resolução, que dê pra ler no sol (aliás pode ser movido a energia solar), à prova d’água, leve, resistente e prático. Espero que os livros que comprar no futuro eu possa continuar emprestando para amigos e passando adiante para desconhecidos. Espero que não amarelem, esfarelem nem criem mofo. De preferência não fiquem obsoletos muito rápido, ou pelo menos possam ser convertidos para outros formatos com facilidade. Que continuem me fazendo companhia, me proporcionando histórias incríveis, novos conhecimentos e novos amigos.

Em busca de Jacob Werle

Se fosse pelo número de gerações transcorridas desde que meu tataratataravô veio da Alemanha para o Brasil, há quase dois séculos atrás, minha origem teutônica já estaria completamente diluída e esquecida, como muitos dos meus antepassados mais longínquos sobre os quais não tenho informações. Mas não é o caso desse alemão que veio para o Brasil com sua esposa e filhos e começou uma numerosa descendência, como atesta um anúncio de uma de suas filhas em um jornal de Dois Irmãos-RS. Ela, seus 9 filhos e 99 netos comunicam o falecimento do esposo. Por aí dá pra imaginar o número de descendentes em 7 gerações! Alguns desses, como eu, vieram sempre pela linha paterna, e guardam o sobrenome original (ou quase). Por essas e outras minha família acabou sendo convidada para um encontro de descendentes e conheceu muitos parentes, próximos e distantes, aprendendo um pouco mais sobre esse ramo da nossa árvore genealógica.

Quando fui estudar na Alemanha em 2008, surgiu a idéia de procurar algum registro desse meu antepassado. O que eu sabia sobre ele é que se chamava Jacob Werle, nasceu em 1788 e chegou ao Brasil em 1826 com sua esposa Elisabetha e 4 filhos, procedente da região de Darmstadt. Casualmente, fui estudar em Frankfurt, que fica a apenas 30 minutos de Darmstadt. Séculos depois lá ia eu, coincidentemente regressando à região de meus antepassados.

Meu primeiro passo foi fazer uma visita a Darmstadt, junto com uma amiga alemã, Frau Beckenbach, que havia se disposto a me ajudar nessa empreitada. No dia anterior eu havia coletado possíveis telefones e endereços úteis, como o do registro civil e o da sede da diocese católica, além de dados como os prováveis anos de nascimento de Jacob Werle, sua esposa e os filhos que tiveram na Alemanha antes de partir para o Brasil.

O primeiro contato, com a prefeitura, trouxe a informação de que em 1825 ainda não havia sido instituído o registro civil na região, portanto nossa busca deveria recair necessariamente sobre os registros religiosos, ou seja, os livros de batismos, casamentos e óbitos mantidos pelas igrejas locais.

Ao conversar com o secretário da diocese recebemos a notícia de que os livros com os registros originais haviam sido destruídos durante a guerra, e restavam apenas cópias referentes ao período de 1800-1875. Ou seja, o registro da época do nascimento de Jacob Werle certamente não existia mais, e me restava apenas a possibilidade de encontrar registros de seu casamento ou do nascimento de seus filhos. As cópias dos livros das igrejas se encontravam no Hessisches Staatsarchiv Darmstadt, o Arquivo Estadual de Darmstadt, no formato de microfichas. Porém a pesquisa nesse arquivo teria que ficar para um próximo dia pois naquele ele se encontrava fechado.

Contei novamente com a ajuda de Frau Beckenbach, que contatou o arquivo por telefone. Segundo a informaram os funcionários, eu precisaria saber qual ou quais igrejas específicas pesquisar, visto que havia mais de 500 igrejas católicas com cópias de seus livros disponíveis no arquivo. Também seria necessário ter conhecimentos de escrita Sütterlin, que vim a saber ser um sistema de caracteres cursivos utilizados na Alemanha nesse período. Ele é bastante diferente da forma das letras que estamos acostumados a reconhecer, na verdade quase um alfabeto distinto. Mais um desafio na busca por Jacob! Será que eu iria conseguir decifrar essa escrita? Para me preparar, imprimi da Internet alguns guias e tabelas de referência (www.suetterlinschrift.de).

Antes de ir pessoalmente até o arquivo, também aproveitei para fazer uma pesquisa em algumas seções de seus documentos que estão disponíveis para consultas pela Internet (www.hadis.hessen.de). Uma das seções que me pareceu bastante promissora foi o arquivo de emigrantes (Auswanderer-Nachweise). Procurei nele o nome de Jacob Werle, porém o mais próximo que achei foi um outro Werle: Johannes, que teria supostamente emigrado para o Brasil no mesmo ano em que Jacob partiu nessa direção. Supostamente porque ao lado da transcrição do registro (o original já não existe mais) constava um ponto de interrogação. Constava também a localidade onde Johannes Werle morava: Heppenheim. Essa informação me ajudou depois para que o funcionário do arquivo consentisse em me emprestar o conjunto de microfichas referentes aos livros da igreja de lá. Eu já havia aprendido com minha amiga, quando ela me ajudou em minha primera fase de indagações, que para os alemães não basta perguntar se algo é possível (möglich) mas é preciso principalmente indagar se é sensato (sinnvoll). Começar aleatoriamente uma pesquisa entre mais de 500 igrejas definitivamente não era sensato, foi o que captei no olhar que o funcionário do arquivo me lançou quando lhe disse que não sabia a localidade exata onde viviam meus antepassados. Felizmente, ao indicar o registro desse outro Werle nos livros de emigração, pude ter acesso às microfichas da igreja de Heppenheim, finalmente um ponto de partida tangível na minha pesquisa.

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minha estação de pesquisa: parte da máquina leitora, o conjunto de fichas de Heppenheim e minha tabela de caracteres em Sütterlin

Lá fui eu então usar pela primeira vez uma leitora de microfichas. Descobri que por serem fotografadas com filmes negativos, a escrita aparece branca sobre um fundo preto.  Gastei umas boas 2 horas apenas passeando pelas páginas e tentando ler algo, um nome, uma palavra que fosse, no meio daquele amontoado de garranchos esmaecidos no visor. Aos poucos comecei a entender como funcionava o sistema de registro, e onde em cada um dos batismos meticulosamente anotados com bico de pena pelo escrivão da paróquia ficava a parte que me interessava: o sobrenome. Pude então buscar nos livros de batismos dos anos de 1815, 1817 e 1821 a 1825 por Maria Catharina, Andreas, Valentin, Anna Maria e Isabel. Por via das dúvida, dei uma olhada também nos livros de casamento dos anos 1810 a 1815. Sempre procurando pela primeira letra, “W”, e quando encontrava essa letra, tentava identificar logo após um “e”, um “r”, e assim por diante.

Não encontrei nada. Em um momento, enquanto ainda estava folheando ao acaso as microfichas e esperando que alguma parte do meu inconsciente miraculosamente começasse a dar sentido àqueles “garranchos arcaicos”, achei por acaso a assinatura de uma testemunha de batismo praticamente homônima, um “Jakob Werle” (ou assim pensei, tirei uma foto dessa tela para que outros possam corroborar minha tentativa amadora de decifragem). Não fiquei entusiasmada com esse achado, pois sabia pela minha pesquisa nos arquivos online de Darmstadt que existiram vários Jacob Werle contemporâneos do meu antepassado. Um deles trabalhava nos correios, e o outro gostava de preencher reclamações formais contra várias coisas que o desagradavam na comunidade. Esses registros homônimos que achei porém ou são de anos após a emigração do meu tataratataravô, ou trazem dados diferentes relativos ao ano de nascimento e nomes da esposa e filhos. No final, terminei essa etapa da pesquisa de mãos vazias. Para onde continuar a partir daí?

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Jakob Werle?

O mais “sensato” a fazer agora, a meu ver, é esperar pelo próximo encontro da família Werle em 2010, e tentar obter com meus parentes alguma informação mais específica sobre a localidade onde viviam nossos antepassados, para depois voltar aos arquivos. Quem sabe não descubro alguma pista promissora? Assim posso adicionar um segundo capítulo à saga “em busca de Jacob Werle”.

Pontes para o mundo offline

Hoje em dia é tão normal mandar e-mail para os amigos, família, falar pelo MSN, pelo Skype… as distâncias são vencidas instantanemente com a ajuda da Internet. Se as crianças agora já nascem dentro de um ambiente digital, e acham essa forma de comunicação muito natural, para muitas pessoas de gerações mais antigas o motivo que as fez vencer a resistência e dedicar um belo esforço para se familiarizar com essa tecnologia nova foi a possibilidade de comunicação com filhos, sobrinhos e netos vivendo longe. Ao invés de esperar meses por notícias, assim é possível ver fotos, vídeos, ler relatos de histórias que aconteceram há poucos dias ou horas.

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Mas o que fazer com aqueles parentes que ainda resistem (ou não têm condições) e continuam alcançáveis apenas pelo mundo analógico dos átomos? A um hemisfério de distância dos meus parentes, eu pensava semana passada: como mandar notícias e fotos para minha tia-avó, que tem mais de 80 anos, e ao contrário do resto da família, não tem computador e muito menos e-mail? Confesso que pensei em imprimir uma carta, ir até o correio, pagar a postagem internacional, esperar duas semanas até a carta ser entregue… mas me pareceu que deveria haver uma opção mais fácil e rápida, que se aproximasse mais do instantâneo mundo digital. E há. Após uma breve pesquisa, optei pelo serviço de carta pela Internet, oferecido pelos Correios. Dá pra mandar uma carta de aproximadamente uma página, com opção de escolher a fonte e tamanho em que será impressa. O texto segue por carta registrada e em 2 ou 3 dias chega ao destino. Infelizmente eles não imprimem fotos, mas para isso existem outros serviços. Por certa de 60 centavos por foto, as empresas recebem os arquivos pela Internet, imprimem e entregam no endereço indicado, também em poucos dias. São muitas as opções, é só fazer uma busca por “revelação digital” e escolher o que mais agradar.

Agora só me resta encontrar um serviço que vá até a casa da minha tia-avó, escreva a carta que ela ditar e envie por email. Ah, e tire umas fotos também. A artrite impede ela de usar computador, mas há alguns anos atrás conseguimos que ela pegasse no mouse e criasse um desenho digital. Achei ele nos meus arquivos, até que não está ruim :)

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*publicado originalmente no blog da Maria Cultura.

Pequeno dicionário de Alemão para estudantes

Este é um dicionário com palavras que gostaria de ter aprendido em algum lugar antes de começar meu curso. Se alemão já é difícil, o jargão acadêmico é pior ainda! 

 

Promoção (Promotion)

Palavra importantíssima para estudantes de doutorado. Quando cheguei na Alemanha acreditava ingenuamente que eu era uma “estudante de doutorado”. Lembro de procurar no site da universidade informações sobre os cursos de doutorado, procedimentos, matrículas, mas não consegui achar nada. Fiquei com a idéia de que doutorado era uma coisa mística, suas informações reveladas apenas para iniciados, depois de marcarem um dia e uma hora com antecedência no departamento responsável, como bem gostam os alemães. Só que eu não conseguia nem mesmo descobrir qual era ou onde ficava o departamento responsável. Isso porque eu ainda acreditava que era uma estudante de doutorado. Levei meses pra descobrir o que eu realmente estava fazendo: eu estava (ainda estou) “promovendo”. Depois dessa descoberta tardia todo um mundo se abriu para mim. Agora posso responder displicentemente quando alguém pergunta: Você está promovendo? Sim, estou promovendo. Porque aqui doutorado se chama promoção. As pessoas põem no currículo: Fulano de Tal, promoveu no ano tal, Universidade tal… Nas minhas buscas pelos sites eu não tinha reparado na seção “Promotion”, pois nem de longe suspeitava que tinha algo a ver comigo! Pelo menos, ao final da minha promoção receberei o título de “Doutora” :)

 

Comilitões (Kommilitonen)

Ao ingressar na faculdade na Alemanha, um estudante ganha automaticamente vários comilitões. Não adianta a pessoa argumentar que não se interessa por política nem quer prestar serviço militar. Porque os alemães gostam de ser precisos com as palavras. Existe um termo pra colega de trabalho (Kollege), outro para colega de colégio (Mitschüler), e ainda outro para colega de faculdade (Kommilitone). Apesar dessa precisão louvável, sinto uma dor nos ouvidos cada vez que alguém se refere a colegas de faculdade. Talvez depois de mais alguns anos finalmente eu consiga me sentir à vontade com meus “comilitões”.

 

Clausura (Klausur)

Ao final do curso de alemão intensivo de um mês, gentilmente oferecido pela Universidade de Frankfurt para seus alunos estrangeiros, minha professora me perguntou se eu gostaria de fazer uma clausura. Fiquei surpresa. Um mês antes, em Budapeste, eu havia sido confundida com um freira por brasileiras que moravam em Dublin. Não entendi nada na ocasião e menos ainda estava entendendo a pergunta da minha professora. Como assim clausura? Esperando que não fosse nada relacionado a se trancar em um convento e fazer votos de silêncio, jejum, ou coisa parecida, confessei à professora não saber o que significava uma clausura. Para meu alívio descobri que era apenas o nome que os alemães dão a uma prova escrita. A clausura é uma das típicas formas de avaliação na universidade. Outras formas são o referato (Referat) que é um trabalho apresentado oralmente, e o protocolo (Protokoll) que é um relatório. Felizmente, como estou “promovendo”, não preciso fazer nenhuma avaliação, pois não necessito receber cédulas, o que me leva a próxima palavra:

 

Cédula (Schein)

O sistema de educação alemão, tanto no ensino primário e médio como no superior, é completamente diferente do que um estudante brasileiro, ou americano, ou mesmo europeu está acostumado. A maioria dos cursos pré-doutorado (eles são diferentes do bacharelado e mestrado que conhecemos e têm nomes como Diplom e Magister) têm um currículo onde o aluno faz algumas disciplinas sem uma avaliação no final, e outras com avaliação. O resultado da avaliação (pelo menos na minha universidade) vem escrito em um papelzinho (a tal cédula, ou Schein), que o aluno arquiva em uma singela pastinha de cartolina, e quando tem suficientes delas pode fazer provas e avançar dentro do seu curso, até eventualmente se formar. Um fato interessante é que a escala de notas vai de 1, que é a melhor nota, até 4, a média mínima na maioria dos cursos (5 e 6 são notas insuficientes para “passar”). 1 significa “muito bom”, e 2 “bom”. Notem que eles não tem “excelente”, os alemães são comedidos em seus elogios e avaliações, “muito bom” se torna portanto um elogio supremo!

 

Hora (Stunde)

Na minha primeira semana de doutorado fui assistir à aula ministrada pelo meu professor orientador. Me matriculei nessa disciplina que tem o excelente nome de “Seminário do Prof. Tal para mestrandos, doutorandos, e quem mais quiser”. Isso depois de descobrir que a matrícula, pelo menos na minha universidade, consiste em ir no primeiro dia de aula e assinar o nome em um papel que é passado entre os alunos. Vocês podem estar se perguntando: mas e as aulas mais disputadas? A primeira parte da resposta é que todos que querem assistir uma aula têm esse direito. Isso implica às vezes em ficar de pé espremido no corredor porque não tem mais lugar na sala (alguns alunos eventualmente desistem). Mas assistir à aula não é o mesmo que ter o direito de ser avaliado. Naturalmente o professor tem tempo apenas para avaliar um número x de alunos. Por isso quem precisa desesperadamente de “cédulas” tem que colocar seu nome logo nessa lista, e as aulas mais concorridas têm uma lista antecipada que fica na secretaria ou no mural do professor, então os alunos podem ir lá uma semana antes de começar as aulas pra fazer a sua “matrícula”. Mas voltando à questão da hora: no primeiro dia de aula todos fizeram suas apresentações e deu pra perceber que os mestrandos estavam um pouco desesperados e cheios de dúvidas, os doutorandos (uma minoria) um pouco mais tranquilos. A aula ia das 4 às 6 da tarde, e aí pelas 5 o professor anunciou que a próxima hora seria dedicada a atender os mestrandos e suas dúvidas, os doutorandos estavam dispensados. Fui saindo, junto com outros alunos, aproveitei o intervalo pra tomar um café. Na semana seguinte percebo que a turma está mais enxuta, só metade dos alunos vieram. Aos poucos vou me dando conta de que “hora” não significa literalmente uma hora, das 5 às 6 como eu havia pensado, mas sim uma aula, um encontro semanal da disciplina. Acabei indo na aula só para mestrandos sem querer. Mas não posso reclamar, afinal nós chamamos disciplinas da universidade de “cadeiras”. Nem só os alemães são esquisitos!

Quem não tem mar… vai ao telhado!

Frankfurt no momento está coberta de neve. No verão, porém, os alemães adoram botar um biquini ou um calção de banho e ir pegar um sol. Fazem isso nos parques, nas margens do rio, nos pátios, onde houver uma área ensolarada. Pena é que essa cidade não tem praia… mas não seja por isso, pois na falta de um oceano e areias naturais, eles criaram aqui uma praia artificial, que fica no telhado de um grande edifício-garagem, bem no centro da cidade.

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A “Dachstrand” tem vista para os arranha-céus, além de é claro, areia, espreguiçadeiras, quadra de vôlei de praia, um deck com mesas e guarda-sóis, duas piscinas para o pessoal se refrescar (sem ondas infelizmente) e um bar que vende junto às cervejas alemãs também caipirinhas e mojitos.

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O mais legal é que pra quem chega antes das 6 da tarde a praia é de graça. Depois disso é cobrada uma entrada, e a essa hora começa a programação de DJs e projeções, a cada dia diferente. O local começa a lotar com as pessoas que saem do trabalho e vão pra lá. O sol só se põe às 9 e meia da noite então dá pra aproveitar a happy hour e se bronzear. A festa vai até a meia-noite, quando a praia fecha.

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Em cidades como Porto Alegre e São Paulo, que tampouco foram abençoadas com um litoral, onde poderíamos colocar uma praia assim? Basta um pouco de areia e mais alguns acessórios… que tal?

*publicado originalmente no blog da Maria Cultura